25 setembro 2008

Gnose - Consequências para a Cultura Ocidental

O homem aqui, deus lá. A fraqueza e o nada aqui, lá o poder eternamente criador.
Aqui, nada além de trevas e gélida umidade. Lá completamente sol.
(JUNG, C.G. Septem Sermones ad Mortuos : 7º Sermão)


"As conseqüências políticas da prevalência das idéias defendidas pelos pontífices da seita católica foram: os líderes da Igreja até hoje pertencem a um quadro restrito com autoridade incontestável; em virtude de somente os apóstolos terem permissão para ordenar seus sucessores, as lideranças conseqüentemente só puderam partir destes legítimos delegados de tal maneira que não houve quebra na cadeia sucessória. A Igreja conseguiu atravessar dois mil anos de história com poder político, com a prevalência de seus princípios e idéias."


Como resultado da prevalência dessas idéias, de um Cristo unicamente histórico, material, ressuscitado em "carne e osso", preocupado com a sua representação na terra, que após a ressurreição se mostrou a alguns poucos especiais, houve o desligamento da possibilidade da revivescência do percurso de Cristo em nossa própria vida interior, como pensam os gnósticos ser possível. Houve uma completa reformulação do modo de pensar do mundo ocidental.


A conseqüência foi a divisão do planeta em duas maneiras de pensar radicalmente diferentes.


O pensamento Oriental vincula intimamente filosofia e religião que influenciam a vida intelectual, social e cultural. O objetivo principal das filosofias orientais é a experiência direta da realidade.


Segundo Northrop, a base do Pensamento Oriental é o conceito por intuição, enquanto a base do Pensamento Ocidental é o conceito por postulação.


- Conceito por Intuição


O significado do conceito por intuição provém do que é imediatamente percebido, sem a contribuição da razão. O significado completo é dado pela "coisa". É um conceito sem qualquer recurso aos postulados da razão.


- Conceito por Postulação


No conceito por postulação, o significado é dado em função das propriedades ou relações atribuídas a este significado pelos postulados da teoria dedutiva. Fora destas relações de postulados, o significado é um signo sem sentido. A cor, no conceito por postulação, é percebida enquanto comprimento de onda na teoria eletromagnética.


A unidade do homem é algo que Jung retomou recentemente. Até o século passado não era cogitada. A idéia de um Deus pessoal era inadmissível. A fragmentação psíquica, resultante da falta de relação com o Deus Interior, leva o inconsciente à relação compensatória destrutiva e avassaladora com o consciente, típica da unilateralidade. Rejeitar um lado da psique é soltar os demônios, é permitir que este lado tome tanto o indivíduo quanto a humanidade de assalto. É permitir crises que levam à beira de catástrofes: armas nucleares, desequilíbrio ecológico, regimes autoritários, purificação da raça ariana, guerras... O homem busca no trabalho - o alcaholic é festejado; na bebida - utilizada desde a adolescência; no consumo - a sociedade globalizada é a sociedade mais evoluída -; dar vazão à necessidade da experiência religiosa. A vida perde seu significado. A unilateralidade da cultura pseudo-cristã, com sua rígida interpretação do monoteísmo, levou muitas pessoas a, decepcionadas, afastarem-se definitivamente do seu


Deus, interior e exterior, e a serem arrastadas para a frustração. Jung escreve:


O ocidente é cristão em todos os sentidos, apesar de tudo. O anima naturaliter Christiana, de Tertuliano, vale para todo o Ocidente, não somente no sentido religioso, como ele pensava, mas também no sentido psicológico. A graça provém de uma outra fonte; de qualquer modo, ela vem de fora. Qualquer outra perspectiva é pura heresia. Assim compreende-se perfeitamente que a alma humana tenha complexos de inferioridade. Quem ousa pensar em uma relação entre a alma e a idéia de Deus é logo acusado de psicologismo ou suspeito de misticismo doentio. O Oriente, ao contrário, tolera compassivamente estes graus espirituais 'inferiores' em que o homem se ocupa com o pecado devido à sua ignorância cega a respeito do karma, ou atormenta a sua imaginação com uma crença em deuses absolutistas, os quais, se ele olhar um pouco mais profundamente, perceberá que não passam de véus ilusórios tecidos pela sua própria mente.


O pensamento ocidental reduz o espírito universal ao nível do conhecimento, da consciência individual. Abandona um mundo que "pulsava com o nosso sangue e respirava com o nosso sopro", e em troca fica com os fatos concretos. No Oriente, o espírito continua a ser universal.


A meu ver, teremos aprendido alguma coisa com o Oriente no dia em que entendermos que nossa alma possui em si riquezas suficientes que nos dispensam de fecundá-la com elementos tomados de fora, e em que nos sentirmos capazes de desenvolver-nos por nossos próprios meios, com ou sem a graça de Deus. Mas não podemos entregar-nos a esta tarefa ambiciosa, sem antes aprender a agir sem arrogância espiritual e sem uma segurança blasfema.


O homem oriental é introvertido, o conhecimento é para ele mais uma manifestação psicológica do que o resultado de experimentos e observações. Para o homem ocidental, ao contrário, a extroversão é algo inferior. No Oriente, o espírito continua a ser universal e impessoal, não existe conflito entre ciência e religião. Nas palavras de Jung:


De modo análogo, o homem ocidental é cristão, independentemente da religião à qual pertença. Para ele, a criatura humana é algo infinitamente pequeno, um quase nada. Acrescenta-se a isso o fato de que, como diz Kierkegaard, 'o homem está sempre em falta perante Deus'. O homem procura conciliar os favores da grande potência mediante o temor, a penitência, as promessas, a submissão, auto-humilhação, as boas obras e os louvores. A grande potência não é o homem, mas um totaliter aliter, o totalmente outro, absolutamente perfeito e exterior, a única realidade existente. Se modificarmos um pouco a fórmula e em lugar de Deus colocarmos outra grandeza, como, por exemplo, o mundo, o dinheiro, teremos o quadro completo do homem ocidental zeloso, temente a Deus, piedoso, humilde, empreendedor, cobiçoso, ávido de acumular apaixonada e rapidamente toda a espécie de bens deste mundo tais como riqueza, saúdo, conhecimentos, domínio técnico, prosperidade pública, bem estar, poder político, conquistas, etc. Quais são os grandes propulsores de nossa época? Justamente as tentativas de nos apoderarmos do dinheiro ou dos bens dos outros e de defendermos o que é nosso. "


Até há bem pouco tempo, somente o pensamento científico era valorizado. Os primeiros filósofos foram saudados pelo "milagre grego", a passagem do pensamento místico para o racional e filosófico.


Absurdamente, Auguste Comte explica o desenvolvimento do ser humano pelo abandono do pensamento mítico e religioso e a adoção do pensamento positivo, lógico, mensurável e controlável. Opõe o mito à razão e coloca o mito num patamar inferior, significando que a humanidade vem percorrendo um trajeto evolutivo, do pensamento mítico, irracional para o lógico, da razão.


É Nietzsche quem dá a palavra final:


Os gregos não viam os deuses homéricos acima de si, como senhores, e não se viam abaixo deles, como servos, ao modo dos judeus. Viam como apenas a imagem em espelho dos exemplares de sua própria casta que melhor vingaram, portanto um ideal, não um contrário de sua própria essência. Há o sentimento de parentesco recíproco, subsiste um interesse de lado a lado, uma espécie de simaquia. O homem pensa nobremente de si quando dá a si mesmo tais deuses e se coloca em uma relação como é a da nobreza inferior para com a superior enquanto os povos itálicos têm uma boa religião de camponês, com constante inquietação contra potências más e caprichosas e espíritos torturantes. Onde os deuses olímpicos se retiravam, ali a vida grega era também mais sombria e inquieta. O pseudo-cristianismo, por sua vez, esmagou e alquebrou completamente o homem, e o mergulhou como que em um profundo lamaçal de uma piedade divina, de tal modo que o surpreendido, aturdido pela graça, lança um grito de embevecimento e por um instante acreditava carregar o céu inteiro em si. Sobre esse doentio excesso do sentimento, sobre a profunda corrupção de cabeça e coração necessária para isso, atuam todas as invenções psicológicas do cristianismo: ele quer aniquilar, alquebrar, aturdir, inebriar, ele só não quer uma coisa: a medida, e por isso é, no sentido mais profundo, bárbaro, asiático, sem nobreza, não-grego.

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