16 novembro 2014

Niccolò Paganini- O violinista do inferno




Quando ele passava por uma cidade o caos instalava-se. Não era só pelos fãs, mas também por jovens histéricas apaixonadas, mas também pelos outros músicos, que vinham de muito longe apenas para ouvi-lo, a observá-lo atentamente, cada gesto dos seus dedos sobre as cordas do instrumento. Era muito fácil reconhecê-los: durante o espetáculo, enquanto a multidão chorava e gritava em delírio, eles ficavam muito quietos, pálidos, com os olhos cravados no palco, a boca crispada, no desespero sem fim daqueles que sabem que nunca serão tão bons como ele. Ninguém podia competir com ele, mas o pior era a atitude, inconveniente e insolente. Nasceu de uma família muito pobre e acumulara uma enorme fortuna com seu talento: podia muito bem agir como quisesse, permitir-se todos os excessos. Em dois anos e meio, por exemplo, percorreu 40 cidades da Europa, que caíram aos seus pés.



Naturalmente, como todos os génios, tinha inúmeros inimigos e circulavam a seu respeito os boatos mais sinistros, rumores que ele nunca fez o menor esforço para desmentir. Acima de tudo, era completamente indiferente às opiniões da sociedade, que o adorava e temia ao mesmo tempo. Diziam que o seu talento, muito acima do normal, era fruto de um pacto com o Diabo, o que só fez aumentar o seu carisma. Diziam que as cordas com que ele tocava eram muito especiais, feitas das entranhas do seu mestre. Depois teria feito um outro pacto, com as de uma amante que se matara especialmente para esse fim. No entanto, a lenda acrescenta que apenas uma pessoa que o amasse e que cedesse espontaneamente a sua vida poderia tornar-se parte do seu instrumento. O certo é que ele produzia sons que ninguém tinha ouvido antes.



Quem assistiu às suas apresentações, pode afirmar que que, ao seu comando, a sala parecia encher-se de espectros, almas atormentadas que uivavam como ventos tempestuosos. Quando tocava podia-se ouvir o choro das crianças, o riso dos demónios, gritos de agonia. Grupos religiosos protestavam quando ele chegava a uma cidade, acusando-o de ter feito um pacto com o Diabo, mas ele apenas sorria e chegou a compôr uma melodia perturbadora citando-a explicitamente. As suas roupas incomuns, o seu comportamento silencioso, com os olhos em chamas e um sorriso maligno, tudo contribuía para essa fama que o tornou uma lenda inesquecível.



Essa história aconteceu há quase duzentos anos atrás, mais ou menos entre 1828 a 1831, período máximo da glória de Niccolò Paganini, compositor e o maior violinista de todos os tempos. A lenda sobre o encordoamento tem origem no fato de que as tripas de carneiro que faziam parte das cordas do violino poderiam, de facto, ser substituídas por um sacrifício humano, ganhando assim uma sonoridade sobrenatural. A estranha personalidade de Paganini contribuiu bastante para aumentar as lendas. Diz-se que, a partir dos 30 anos, nunca mais ensaiou e que vivia cercado por uma nuvem de aprendizes, discípulos e mesmo adversários, sempre em busca dos segredos da sua técnica. Os relatos dos seus espetáculos fariam enverdecer de inveja os Beatles ou qualquer grupo de rock até hoje, assemelhando-se mais a uma experiência próxima do prazer colectivo ou do pavor absoluto. Fazia corar as donzelas com acordes muito próximos da agonia do orgasmo e todos sentiam uma fúria incontrolável a tomar conta das suas almas. Em quase todas as cidades em que se apresentava, saía dos teatros vitorioso pelas ruas.



Como podemos perceber desse relato que mescla realidade com lendas, os poderes da música provocam efeitos muitas vezes imprevisíveis, pelo facto de que os acordes ressoam no coração do ouvinte, tangendo uma corda sutil que afina os nossos estados de espírito. Uma melodia pode ser tranquila e comovente e ainda assim ser maligna, por predispor a um estado, por exemplo, de profundo desânimo e melancolia.






Adaptado de: noitesinistra





via @notiun


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